segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Carta para o meu filho que ainda não conheço

Gael,

Essa carta, como muitas outras que sua mãe já escreveu para diversas pessoas, não tem nenhum motivo específico. Acredito não ser seu aniversário e espero que não estejamos comemorando nenhum momento especial no dia de hoje, porque isso tiraria parte da graça e, você já deve saber, eu sou muito egoísta com algumas coisas: quero esse momento apenas para nós três – eu, você e o papel.

Sinto-me na obrigação de te contar algumas coisas, ainda que estejamos muito distantes de nos conhecermos (anos, de preferência, pois tua mãe é revisora e escritora – e para arcar com as despesas necessárias para te criar, a mãe precisará casar com um advogado ou médico).

Estou na metade de 2014 e muitas coisas estranhas têm acontecido. Ainda que isso possa te parecer estranho (espero que pareça), uma grande parcela da sociedade teima em querer impedir que outras sejam felizes – por diversos motivos: implicam com cor de pele, classe social, orientação sexual e outras razões que sequer podem ser consideradas racionais. E tem sido uma luta quase diária manter o sonho de, um dia, te ver fazer um monte de primeiras coisas pela primeira vez.

Tenho medo de te colocar nesse mundo estranho e, depois de primeiros sorrisos, primeiras caminhadas e primeiros tropeços, vê-lo enfrentar (não só uma vez) a crueldade que há por aí. Se isso acontecer, porém, preciso que você me prometa (e já terei te pedido isso muito antes dessa carta alcançá-lo, mas não faz mal reforçar) uma coisa: nunca deixe alguém te diminuir. Suas escolhas são suas, e de mais ninguém. Contanto que você respeite os direitos das pessoas ao seu redor, faça o que bem entender e da maneira que bem entender. Siga todos os teus sonhos, tuas vontades e teus ímpetos. Ainda que haja muita maldade por aí, as coisas podem (e vão) mudar, ainda que um passo de cada vez.

Quero te dizer mais algumas coisas, mas à medida que a cerveja entra, a habilidade de formar longas sentenças sai. Tendo em vista esse pequeno problema, elencarei 10 coisas para você levar por toda sua vida – ou ao menos tentar, o que já me deixaria muito feliz.

1. Respeite as mulheres ao seu redor. Elas são oprimidas há séculos sem motivo aparente, e é papel de qualquer pessoa mover mundos e fundos para tentar mudar, da maneira que puder, essa situação. Aplique isso, também, a qualquer outro tipo de grupo injustiçado. Se você for heterossexual saiba que, no âmbito afetivo e sexual, são elas que fazem as regras, não você.

2. Seja feliz.

3. Faça amigos.

4. Tente não magoar as pessoas.

5. Independente da opinião de seus amigos, nenhum time é mais incrível que o Grêmio.

6. Seus tios – de coração, já que sou filha única – são as melhores pessoas do mundo. Ouça tudo o que eles têm a dizer para você, mas apenas quando eles estiverem sóbrios.

7. Nunca acredite nas histórias que seus tios contarem sobre mim. Eles raramente estão sóbrios.

8. Carpinejar e Dalai Lama são seus avôs espirituais. Quando eu ou seu pai não estivermos por perto, busque as respostas que precisa nas letras criadas por eles.

9. Aprenda a dançar. Provavelmente teu pai tenha me conquistado dançando.

10. Você é o único responsável por sua felicidade – e os motivos para persegui-la irão mudar muito com o passar dos anos. Não se assuste com isso. Você pode querer ser astronauta um dia e arquiteto em outro, e isso não faz diferença para mim. O importante é que você sempre busque aquilo que mais te conforta e mais te faz sorrir.

O resto você vai aprender pelo caminho, caindo algumas vezes e voando noutras. O que desejo daqui de dois mil e catorze é que nossa jornada seja linda. Entre esse ano e todos aqueles que se passarão até você existir, continuarei sonhando contigo. Em muitas noites irei colocar minha cabeça no travesseiro e imaginar o momento da descoberta da sua futura existência. Com todos os brinquedos que irei comprar e as fantasias ridículas que ficarão pequenas ou grandes demais em você (peço desculpa, inclusive, por todas as fotos embaraçosas que serão tiradas). Com tua primeira palavra, teu primeiro dia na escola. Com tuas perguntas impossíveis. Com teus amores e desamores.

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